Friday, January 19, 2007

Elis Regina: 25 anos de saudade!


Elis Regina Carvalho Costa (1945, Porto Alegre – 1982, S. Paulo)

Há vinte e cinco anos atrás, desaparecia em circunstâncias trágicas, embora menos empolgantes do que aquilo que os media fizeram crer, aquela que é para muitos ou, pelo menos para mim, a melhor cantora de “música popular” da era da música gravada.
Só lhe encontro paralelo na Ella Fitzgerald e, quanto às cantoras líricas, que são habitualmente mais técnicas do que líricas, muitas dariam um braço pelo seu sentido rítmico, faculdades respiratórias e afinação prodigiosa.
Elis começou e acabou no topo.
Elis cantou muito, cantou de tudo e em todas as circunstâncias: no estúdio, nos festivais da canção, na rádio, na televisão, na revista e no teatro.
Elis até a falar era uma delícia! Oiçam nos seus discos os interlúdios em que dialoga com a audiência ou com os músicos e reparem.
A televisão era ainda, na altura, uma realidade cândida (mesmo no Brasil!) e por isso ela teve aí um espaço significativo, para gáudio dos seus admiradores, que hoje podem encontrar no Youtube registos maravilhosos.
Além de tudo isto, é importante ter em conta que os tempos eram outros. O marketing e a indústria do disco davam os primeiros passos e a tecnologia de captação e amplificação sonora era arqueológica comparativamente à panóplia de recursos electrónicos e digitais que hoje estão ao dispor de qualquer energúmeno.
As cantoras não eram vestidas pelo João Rolo mas sim pela mãe ou por uma vizinha e, basicamente, o que lhes tirava o sono não era a reunião com o produtor da tournée ou com o assessor de imagem mas o facto de que, às tantas horas e tantos minutos do dia seguinte, haveria um microfone à frente e uma orquestra atrás…
Mas Elis não perdia o sono e a tudo isto reagia com uma segurança de quem não nasceu para fazer outra coisa.
Em estúdio, os temas eram frequentemente gravados à primeira se nenhum músico se enganasse. Oiçam Alô, alô, Marciano, onde os próprios guinchos estão dentro do tom!
Ao vivo, experimentem escutar gravações de concertos em que, no meio do turbilhão da orquestra e da sala, ela não se perde nem um milímetro.
Em público… o público não existia para Elis.
Elis não cantava para ninguém! Cantava para si mesma, e as pessoas punham-se à escuta.
Ela não cantava para o povo, nem dava entrevistas a dizer, sem mentir, que cantava para o povo, ou que o povo é que a inspirava, ou que a sua carreira era dedicada ao povo, ou que ia lançar um DVD de que o povo iria gostar muito ou que o povo era muito bonito.
Ao contrário da maior parte das cantoras de hoje, que passam a vida a tomar o pulso ao povo e a entrar e a sair de “fases” e de “projectos” para explicar ao povo os turvos atalhos em que se perdem ou a sua labiríntica razão de existir enquanto cantoras, Elis não precisava de nada disso.
Embora as suas carreiras sejam ainda comparativamente embrionárias, cantoras como a Mariza ou a Dulce Pontes desde cedo demonstraram ter optado por caminhos que nunca as levarão sequer a tocar a fímbria das suas vestes.
E a diferença é que, enquanto a Mariza e a Dulce Pontes (peço perdão aos céus pela comparação) se entretêm a cantar poetas de renome como verdadeiras parolas, Elis seria capaz de cantar o malhão como uma deusa.
Elis vagueia entre o jazz, o choro, o samba, o folclore regional brasileiro, os boleros, os autores de intervenção sul-americanos… há até um ou outro registo de fado!
A carreira de Elis, bem vistas as coisas, não tem lógica nenhuma: à excepção dos primeiros discos (deliciosamente radiofónicos) e de alguns outros (relativos ao festival de Montreux ou a determinado compositor) as suas gravações têm pouca coerência temática e os alinhamentos parecem manifestamente escolhidos “a gosto”.
O que importa isso, se era Elis? E Elis era perfeita. Sabia quando expodir e quando murmurar. Há canções recheadas de virtuosismos e malabarismos e outras em que nem usa vibratto.
Tentar encontrar “fífias” nas suas actuações será uma empreedimento infrutífero.

Nos dias que se seguiram à sua morte, a 19 de Janeiro de 1982, o povo, o tal povo, escreveu nos muros da sua cidade natal: Elis vive!
Isso é verdade e é uma coisa muito boa.

Thursday, January 11, 2007

Sem dúvida mil vezes mais bela que a Marilyn...

A praia de Santa Cruz é uma das melhores coisas que há...


Num derradeiro Setembro
Morrerei na praia
Como os náufragos
A quem, apesar do muito querer,
Ninguém ouviu
E apesar de resistir,
Quantas outras forças puderam mais…
E então morrerei na praia
Mas não como os náufragos, não!
Que os piores ventos
Mais não podem que a vontade.
Que as piores marés
Não matam mais que a saudade.
Morrerei como um náufrago, sim!
Quem sabe como morrem, afinal,
Se morrem sós?
Morrerei talvez feliz,
Quem sabe?
Por ter amado,
Por ter tentado,
Por tão atormentada viagem
Ter, enfim, terminado
Na praia,
Num derradeiro Setembro.
Quem sabe, também,
Se, como os náufragos,
- eu sei como morrem, sim -
Não entenderei que morri
E julgarei viver ainda,
Quando apenas o meu éter
Flutuar pela praia

Num eterno Setembro

O João Gilberto é uma coisa muito boa!